quarta-feira, 28 de abril de 2010

Retroescavadeira


Tenho a impressão de que ao educar as crianças estamos preparando o terreno para que construam seus prédios. Estamos tornando seu espaço mais adequado para suas futuras obras, para o que vão fazer de suas vidas. E a terraplenagem nem sempre é simples. Em alguns pontos cortamos e fazemos taludes, em outros fazemos aterros e muros de arrimo. Cortamos companhias de caráter duvidoso e os colocamos em treinos de esporte para que se tornem fortes de corpo e alma, colocamos em aulas de reforço e damos apoio incondicional. Temos que entender o que eles precisam e querem para podermos transformar o terreno de acordo. É uma tarefa árdua que dura longos anos. A drenagem também é importantíssima. É através dela que as crianças serão capazes de reter informações ou dispensá-las, de acordo com o que lhes for mais importante. E uma caixa de retenção de tamanho adequado torna essas crianças mais sustentáveis. E como é bom ter essa meta de ser sustentável ao longo da vida ! Ser sustentável, traduzindo o termo ecológico, é ser capaz de criar soluções para seus próprios problemas. Criar soluções, muita criatividade, não é isso o que desejamos para nossas crianças ? Que sejam criativos, felizes e vivam com conforto e independência? Esse trabalho todo é impossível de ser feito só com as mãos ou mesmo pás. Às vezes me pedem ajuda, costumo usar algo que herdei da minha mãe: uma retroescavadeira. No lote em que ela trabalhou, a construção ainda está nas fundações. O projeto original sofreu várias mudanças - o que gerou bastante retrabalho - e algumas alterações - que se mostraram enormemente prazerosas - mas tenho amigos cuja obra já está bem adiantada.

Behind and Beyond

Being among philosophers, or at least being amongst their writings, means to be in contact with things from a different point of view. With their help we can have a glimpse on habits, aspirations, anxieties and other aspects related to living between the earth and sky as human beings. They are like DJs who anticipate the wishes and understand the public, noticing how people enjoy the music, how enthusiastic they are and maybe even understand why. Of course they can influence and change the ambience due to their choices of what music to play next, but this is another story. I would like to focus on what they see and share with us.

Through Heidegger we can realize that our lives are connected to four important aspects: earth, sky, eternity and mortality. That if we can identify these elements in something, it can be called a “thing”, otherwise it will be a mere object. He also tells us how we should make the most of language as a source of knowledge instead of using it only as words one after the other. For example the verbs to be and to dwell have the same origin and knowing it can change our understanding about what they actually mean in our lives.

Through Flusser, we can have a hint about how far we are from what really matters, being intercepted all the time by the media which doesn’t encourage us to have direct contact with the world. He alerts us to the fact that we are prompted to work without thinking, as much as buying groceries at the supermarket keeps us unaware of the concerns about growing vegetables.

The mechanical approach to our issues is blinding us to what is important in the outside world and in our inner self. We receive information all the time, but does it improve us, does it change our relationship with the ones we love ?

Some of Botton’s more frequent concerns seems to be how comfortable we are within ourselves, our homes, our cities, our beloved. His words can make us feel less alone and a bit protected against the uncanny of a living being who looks for distractions that apparently keep out the sole certainty: death.

Bauman doesn’t let us forget how fluid our world and life are and Lipovetsky show us how consumption is being used as a deluded means to ease this pace.

What all of them ask us to do is to think. They all suggest that thinking is the only way to see behind the curtains of mass media. Look with our own eyes and see beyond.

segunda-feira, 12 de abril de 2010

Caminhos ? Não há.

Somos programados porque moramos em prédios que não nos permitem derrubar paredes e configurar o espaço para melhor nos atender. Porque vivemos em cidades tão grandes que não podemos ir a pé para o trabalho e ficamos à mercê do transporte público e dos engarrafamentos. Porque nossos filhos estudam em escolas que não os incentivam a pensar fora da caixa e, quando reclamamos, dizem que estão seguindo o programa. Pode apostar que estão ! Porque assistimos TV, que é uma das interpretações em décimo grau do que um dia fomos capazes de sentir e já nem nos lembramos. Porque optamos por nos distrair, porque optamos por fechar os olhos. Somos programados para morar em lugares que desabam só porque não acreditamos no quão líquido é o mundo até que a nossa casa escorra morro abaixo. Esses tempos líquidos dos quais o Bauman tanto nos alertou e agora se fazem literais em tempestades e alagamentos até que não os ignoremos mais. Somos traídos pelo chão em que pisamos e temos que correr atrás da nossa identidade; como se recompô-la fosse simples como emitir um novo documento. A única forma de esgotar o programa é deixando de retroalimentá-lo, é rompendo o ciclo, é se recusando a se tornar uma imagem líquida a escorrer pela janela brilhante das transmissões. Não temos que nos distrair da nossa "consciência infeliz", já nos disse Hegel. Precisamos enfrentar e dialogar (criar informação nova a partir do conhecimento compartilhado, segundo Flusser). Dedicados como os atletas, concentrados como os ginastas sobre a barra, com a determinação de quem sabe onde quer chegar. "Caminhos não há, mas os pés na grama os inventarão" (Ferreira Gullar)

sexta-feira, 9 de abril de 2010

Sabe lá ?


Mesma sala, mesma disciplina, mesmo professor, mesma situação de prova, só eu não era a mesma, pois não estava ali como aluna, pela primeira vez. Nem o papagaio que, em outros tempos, falava tudo, menos as respostas que queríamos para as questões que nos arrancavam suores. Como aplicadora de prova, podia ficar olhando a janela para sentir falta do papagaio. Quando tínhamos aula lá, queríamos que ele sumisse, mas agora sumiu e senti falta. Fiquei com dó daqueles alunos que não precisam ter raiva do papagaio. Enquanto tudo isso acontecia, lia um livro do Alain de Botton em que ele, "nesse exato momento", citou Sêneca e sua tese de que temos raiva porque temos esperança, porque somos otimistas e insuficientemente preparados para as frustrações inerentes à existência. Mais adiante, ele diz que o Terminal 5 do Aeroporto de Heathrow, em Londres, tem mais lojas que a média dos Shopping Centers e que às vezes é criticado por isso. Então expressa sua incompreensão em relação a essa crítica dizendo, em sua costumeira prosa deliciosamente poética, que não entende que ponto essencial da identidade de um edifício aeronáutico foi violado pelo fato dele ter lojas, já que muitas vezes visitamos shoppings mesmo que eles não nos ofereçam o prazer adicional de um portão para Johannesburgo. Em outro trecho, ele vai à livraria e procura por um livro em que uma voz genial expresse emoções que o leitor já sentiu mas nunca entendeu; que revele segredos, coisas do cotidiano que a sociedade prefere não dizer; que possa fazer com que alguém se sinta menos sozinho e estranho. Nessa hora lembro-me do Flusser e sua teoria sobre a linguagem, onde diz que a linguagem foi criada para que o homem se distraísse da falta de sentido do intervalo existente entre o nascimento e a morte. Que a comunicação é um dos melhores recursos para não ficarmos pensando que um dia vamos morrer e que não temos idéia do que virá depois. Vai ver era essa também a angústia do papagaio, sabe lá ?

Obras citadas:
Vilém Flusser - "O mundo codificado"
Alain de Botton - "A week at the airport - A Heathrow Diary"

Foto: Aeroporto de Heathrow Agosto 2007

segunda-feira, 5 de abril de 2010

Vestígios


Acorda e curte a delícia de edredon. Percebe o sol e levanta rápido. Abre a cortina e vê o dia lindo de abril como um presente. Biquini, filtro solar, mas ainda está frio lá fora. Separa o chapéu e sai do quarto em silêncio. Café fresquinho com leite. Pão fresquinho com manteiga derretendo. Hoje é sábado, então dá para comer um bolinho de sobremesa. Para a mãe dela, todas as refeições tinham que ter sobremesa; e esse é o motivo do restinho de café com leite que sempre fica para arrematar o doce. Doce como ela era. E doce fica o dia. Recolhe as roupas do varal e põe as toalhas na máquina. As louças já estão lá, sacudindo. O barulho das duas funcionando ao mesmo tempo é a música da libertação feminina. Chapéu e óculos a postos, faltam as luvas, a enxada e o saco plástico. Ainda não inventaram uma máquina que capine o jardim. Mas capinando se limpam todos os problemas da vida, como se fosse uma borracha que arranca junto a raiz. Ela poderia estar na Toscana, no sul da França ou em um belo jardim inglês. E se sente assim. A cada ramo que sai, um aprendizado. Alguns problemas, quando olhamos antes de lidar com eles, parecem difíceis de arrancar. Quando tentamos, vêm rápido e com a raiz inteira. Surpresa. Outros parecem frágeis mas não saem nem com muita força na enxada. Pior, dividem-se e sabemos que vão se multiplicar. De qualquer forma, exercitam-se as costas e os peitos tão cedo vão precisar de plástica. E tem gente que paga para ir à academia fazer força. Horas e horas de sol e capina. O marido vem e traz água de coco. Se beijam e ele vai pegar o seu quinhão de jardim. A piscina está tão linda quanto gelada. Alguns minutos de recuperação no colchão de água e outros na cadeira de sol. Teve que tirar o gato para poder deitar. Está carente, meio adoentado e, por isso, ainda mais folgado. Enquanto ela capina, ele se deita perto. E dorme. As crianças vão para o clube com os amiguinhos. Ele pergunta o que vão almoçar e ela, se ele gosta de panqueca de frango. A resposta vem com sorriso e ela vai fazer. Mas antes põe um pouco de ordem na sala. Cozinha. Medidor de xícara. Medidor de colher. Mini multiprocessador. Cozinha equipada é como saber que o guarda chuva está na bolsa para o caso de chover: dá até vontade de usar. A comida dela é só assim, de supetão. Detesta ter que programar alguma coisa, entra em pânico. A receita é da mãe. As boas recordações agora são jóias belas de se ver; já não fazem chorar. Pelo menos, não toda vez. Comem na mesa de xadrez do avô, ele rindo porque ela só cozinha tomando alguma coisa (geralmente uma cerveja que deixa na geladeira o tempo todo para não esquentar nem um milímetro). Chocolate com espresso de sobremesa. O médico disse que só pode comer doce fim de semana depois do almoço. Será que um dia ela vai conseguir ? Cozinha arrumada, volta para a enxada. Ano passado plantaram a grama, que já está linda. Agora ela sonha com as sementes que vai jogar para ano que vem ver tudo florido. Talvez consiga fazer da jardinagem o seu exercício de espera. Toma seu banho e se senta para costurar uma calcinha da filha que descosturou; depois é só ler sobre flores. O marido e as crianças estão na cozinha preparando quiche. Comem e o dia termina com risadas na cozinha. Novamente o edredon macio, o sol e o café. Banho, roupa escolhida de véspera. Pega o carro e vai. Feriado emprensado, trânsito tranqüilo. Estaciona no escritório e vai a pé buscar os óculos que estavam consertando. Na volta, curte um cappuccino na livraria preferida folheando um guia de Londres, lugar onde mora a sua alma.

A fenomenologia da maquiagem ?


Na vida, como em uma paleta de maquiagem, temos as cores. Trabalho, dinheiro, casa, mãe, namorado (agora marido). Mas os melhores pincéis não são os que vêm no estojo. Os bons pincéis são caros e temos que adquiri-los aos poucos, com o passar do tempo. Eles são a experiência. O casamento também é um pincel, mas o entusiasmo por si mesma é aquele pincel que aplica a base, sem o qual a maquiagem não pode começar. Há pincel para tudo: para o canto do olho, quando precisamos dar o realçe final a algo que já está bom. Assim ele faz diferença mas, sozinho, não produz bom resultado. Na vida, esse pincel é o dinheiro. O casamento é um dos pincéis mais usados: aquele que une a cor base da maquiagem (marrom, preto - o seu "eu") à cor que vai amenizar o encontro com a realidade. A realidade é a sombra branca ou de outra cor bem clara, que é a luz. A cor intermediária pode ser qualquer uma: azul, verde, roxo, rosa. Ela só serve para misturar o seu "eu" com a realidade e pode deixar tudo muito mais bonito e harmonioso. Essa cor é o homem da sua vida. Pode ser qualquer um, desde que combine com você e seja bem aplicado com o pincel correto. Essa "segunda cor" nunca é mais importante que a primeira, mesmo que tenha brilho. O delineador é usado para dar a ilusão de que você tem mais cílios; não importa se foi ou não agraciada com essa benesse pela natureza. Cílios nunca são demais. Na nossa vida, o delineador é o trabalho. Ele serve para realçar o que você tem de melhor. É fundamental saber aplicá-lo bem, mas isso exige treino. Já a oportunidade de usar é você quem faz. O rímel é a família de origem. Nenhuma mulher pode ficar sem. O lápis de olho é a família que você cria a partir de si e desse homem que escolheu. Às vezes você chora e ele sai, mas aí você saca o dito cujo da bolsa e aplica de novo. Todo mundo fica melhor com lápis de olho.

Essencial para que o preparo dê certo: Nunca se esqueça que você é um indivíduo e jamais passe tempo demais sem pintar os olhos.

Foto encontrada no site www.makeupgeek.com Fantástico !!!!